Por Rodrigo Morais* – Facebook
Escrito em junho de 2020, mas ainda tão atual
(Para ler ouvindo a valsa Arranha-Céu, na voz de Silvio Caldas).
“Intervenção militar com Bolsonaro no poder!”, gritava um amontado de gente ao redor de um caminhão de som na Paulista, enquanto eu atravessava a avenida para buscar umas coxinhas no fascista Ragazzo.
O grupo de coturnófilos era mais uma vez formado por senhoras da terceira idade e cinquentões marombados vestindo calças camufladas: “meu pai era militar e lá em casa tinha ordem”, me diriam se eu houvesse perguntado.
“Intervenção militar com Bolsonaro no poder!”, e aos poucos os discursos inflamados iam se misturando ao barulho de uma Paulista recém aberta ao vai-e-vem dos carros, mas ainda era possível ouvir referências a ameaça comunista, AI-5, ordem, “acabar com esse Congresso que tá aí” e tudo o mais que eu já estou careca. De saber.
Foi o Zé Murilo quem abriu os nossos olhos para o fato de que, na América Latina, existe uma convergência para o presidencialismo de caráter imperial, uma tendência a um presidencialismo absolutista. E o ex-ministro do STF, Victor Nunes Leal, sacaria logo o seu clássico “Coronelismo, Enxada e Voto” para mostrar as origens desta merda de moda.
Nosso triste tempo somou a isso uma profunda fissura social (artificial) que nasce das próprias entranhas do governo. Uma guerra neocortical centrífuga, se me permitem assim dizer.
É fato que nenhum líder carismático de direita deste país teve uma base de representação popular (Jânio, Collor e Bolsonaro), mas daí a sustentar tudo na base do fratricídio pátrio é demais até pra generais.
Outrossim, o presidencialismo de coalizão parece ser uma exigência neste nosso caso de um partidarismo tão fragmentário.
Maldita sina: ou ele é de coalizão ou é um projeto cesarista. Cesarista como define Gramsci, é claro.
A tara por coturno obscurece a percepção da obviedade de que, para Bolsonaro, não existe nenhuma hipótese equivalente a repetir 1964.
Lá, o golpe foi realizado por forças de oposição, não de continuidade. Num regime autoritário comandado por um conselho do Estado Maior das FFAA’s, com um rodízio presidencial subordinado a este conselho.
Bolsonaro não teria a menor chance de comandar algo assim porque não faz parte do alto escalão das Forças Armadas. “Olhos azuis brilhantes” não é posto.
O que ele poderia talvez sonhar seria um cesarismo no modelo do Estado Novo de 1937, de continuidade and all that jazz. Mas mesmo a fórmula cesarista exige líderes com alguma sofisticação de articulação política, o que não é o caso.
De qualquer maneira – e sem prejuízo da ressalva acima – sugiro às tias da Paulista (egressas do zap) um outro grito de guerra: “Novo Estado Novo, com Bolsonaro no poder!”
*Rodrigo Morais é cientista político, professor e atual Secretário Geral do partido Brasil 35 em São Paulo.
E meu amigo.
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CÉSAR CREMONESI
